Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
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Sala Gouveia Osório
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A origem dos instrumentos cirúrgicos

Escasseiam as fontes arqueológicas, etnológicas e tecnológicas relativas à manufactura de instrumentos nos primeiros tempos da existência humana. Contudo, é-nos possível deduzir de comportamentos actuais como o homem primitivo poderá ter reagido a uma diversidade de situações. O que pensar quando um corpo estranho alojado numa parte corporal acessível nos conduz a uma atitude espontânea de utilizar os dedos, as unhas, a língua ou os dentes na sua extracção e se incapacitados de o fazer, socorremo-nos de outrém para, utilizando os mesmos apêndices humanos, colmatar a situação! Na cirurgia actual a boca, os dentes e as unhas deixam de ter funções cirúrgicas. Multiplicam-se contudo, os exemplos em que os dedos substituem as sondas, os dilatores, os ganchos, os afastadores e as pinças. A mão, na sua globalidade, transmite toda a sua dinâmica à extremidade proximal do instrumento. Paralelamente é a mão, que por dentro de uma luva de borracha, dirige todo o acto cirúrgico. Há cerca de dois milhões de anos nasceu, por um processo de evolução adaptativa, lento mas contínuo, o primeiro hominídeo introdutor do instrumento na história da Humanidade - o Homo Habilis. Desde os primeiros seixos talhados a instrumentação lítica pré-histórica caracterizou-se por uma complexidade e crescimento progressivos, sinónimos de paralela maturação biológica e cultural. Nas fases finais deste período, novos materiais naturais - osso, chifre, marfim - serviam de base a novos instrumentos. Pertenceram ao Epipaleolítico os primeiros instrumentos compostos: micrólitos geométricos ou lâminas de pedra inseridos em cabos de madeira. A uma melhor técnica associou-se a leveza do instrumento. A introdução do cobre iria inaugurar a Idade dos Metais e determinar uma profunda revolução instrumental. Nessa época um instrumento com fins curativos exclusivos era impraticável. Igualmente irrealizável seria supôr a existência de fabricantes de instrumentos cirúrgicos, dado que uma complexa estruturação do grupo e divisão de tarefas, bem como uma justificada exigência teriam de coexistir. O primeiro fabricante de instrumentos provavelmente executou por motivação própria. A observação da natureza esclarecera-o quanto ao benefício e prejuízo de certas práticas e quanto ao método físico mais adaptado, visando um bem-estar geral. Nos primórdios do processo de hominização o homem poderá ter utilizado para os mais diversos fins, nomeadamente cirúrgicos, as rochas e os minerais que a natureza livremente talhava com formas diversas, para uma determinada função.

Os achados paleopatológicos são particularmente férteis em testemunhar a abundância de material mineral, trabalhado ou não pelo homem, que bem poderá ter sido usado com fins curativos. Na Idade da Pedra (c. 600.000 - 10.000 a.C.). formas afiadas de fragmentos de sílica foram usados na caça ou em combate. Nesse período, uma técnica de manufactura simples conduziu à produção de instrumentos imperfeitos, fáceis de imaginar na escarificação, sangria ou circuncisão muito provavelmente com fins curativos. No período mais recente da Idade da Pedra (c. 8.000 - 3000 a.C.) assiste-se a uma produção rápida de facas, perfuradores e raspadores de qualidade crescente. A trepanação craniana, prática cirúrgica com comprovada intenção terapêutica, datada desde o período Neolítico, é a mais ancestral evidência de uma intervenção humana. Os orifícios de trepanação incompletamente realizados forneceram um manancial amplo de informação acerca da técnica e do instrumento usado.
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