Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
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Sala Ricardo Jorge
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Estojo de trepanação craniana setecentista

Estojo de trepanação craniana setecentista
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Forrado a seda e veludo (5x20,5x18,5cm).
Apensa a fotografia do seu antigo possuidor.
Quatro coroas de trépano: aço; 2x7,2x2cm e 2x7,5x2cm
Cabo de trépano: madeira e aço; 6x13x2,5cm
Rugina e faca lenticular: madeira e aço; 2,5x17,5x2,5cm;
Perfurador: aço; 0,4x8,5x1,4cm
Pinça: aço; 4x13,5x4cm
Elevador duplo: aço; 1,5x17x4cm
Escova: marfim e cerdas; 1x7x2,1cm
Chave: aço; 0,6x4x1,7cm
Madeira, marfim, cerdas, aço, latão e tecido; séc. XVIII.
A trepanação craniana data do Neolítico, período em que um componente mineral trabalhado pelo homem servia de instrumento. Algumas vezes terá sido praticada no seio da Civilização Egípcia. É citada no Corpus Hipocraticum embora na prática fosse pouco usual. O instrumento então utilizado terá sido a árvore de trépano, muito provavelmente de ferro com cabo de material orgânico. Acerca deste instrumento António de Almeida, no Tratado Completo de Medicina Operatória, vol. I, pg. 57 nota 1 explica: "O trepano he hum instrumento composto de varias peças, que são, arvore, corôa, perfurador, e raspador. Estas ultimas peças se ajuntão á arvore por meio de hum encaixe com mola, que as fixa, para servirem segundo os seus diferentes usos. O Trepano he tão antigo, que já no tempo de Hippocrates se usava, sendo talvez unico instrumento, que na sua origem sahisse tão completo, que não houve mister correcções. Os Ingleses usão, em lugar da arvore, de hum cabo de verruma, e de corôas cylindricas em lugar de conicas; porém o trepano de arvore trabalha mais depressa, e a côroa conica he mais segura, porque não póde entrar na cavidade do craneo, ainda que por descuido tenha cortado toda a lamina interna. Além da pyramide, que se tira, e põe no centro da côroa por meio de huma chave, ha outros instrumentos acessórios ao trepano, como levantadores, legras, goivas, faca de botão, escovinha, torquez cortante, etc., de cujos instrumentos se forma idea vendo-se, do que descrevendo-se".

Foi fundamentalmente através da pintura flamenga dos séculos XVI e XVII que se visualizou a prática de uma trepanação craniana onde a posição e a expressão do doente, as posições do cirurgião e ajudantes, a técnica e o instrumental cirúrgico utilizados se evidenciaram. Tratava-se da crença na "Pedra da loucura" e impunha-se a trepanação craniana como solução para este tipo de charlatanismo. A primeira descrição pormenorizada do trépano deve-se a Berengario de Carpio (1518). No século XVII J. Scultetus no seu "Armamentarium Chirurgicum" (1655); no século XVIII Heister no "A General System of Surgery" (1843) e no século seguinte Sir Charles Bell no "Illustrations of the great operations of surgery" (1821) e J.M. Bourgery com N. H. Jacob no "Traité Complet de l'Anatomie de l'Homme Comprenant la Médicine Opératoire" (1837-40) apresentam gravuras de uma cena operatória de trepanação craniana bem como os instrumentos cirúrgicos necessários onde a forma e a composição dos mesmos se destacam.

A explicação de António de Almeida permite-nos inferir que o estojo de trepanação craniana setecentista escolhido, embora não possua a marca de um fabricante, pela forma dos instrumentos cirúrgicos será provavelmente de origem inglesa (cabo de verruma e coroas de trépano cilíndricas).

Num período anterior à antissépsia/assépsia os instrumentos aplicavam-se ininterruptamente nos doentes sem qualquer preocupação de esterilização dos mesmos. Se alguma limpeza de um instrumento existiu foi pela simples razão que facilitava o seu funcionamento e impedia a sua deterioração. Desta forma não havia qualquer obstáculo à manufactura de um instrumento com materiais orgânicos. O nível tecnológico e as exigências científicas e técnicas do tempo determinaram que se utilizassem os metais ferrosos e não ferrosos, materiais então disponíveis.
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