Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
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O cautério

Cautérios
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Série de oito cautérios: Aço; séc. XVIII/XIX; 27,2x0,8x6cm / 27,3x0,8x5,5cm / 27x1,5x5,8cm - 27,5x2,3x5,3cm / 26,8x3,2x4,5cm / 29x2,8x7,7cm / 27,7x0,9x5,7cm / 2x2x27,5cm
O cautério é um agente físico ou químico susceptível de desorganizar uma porção mais ou menos extensa, mais ou menos profunda dos tecidos orgânicos e de a converter em escara. Os agentes físicos receberam o nome de cautérios actuais e, os químicos de cautérios potenciais ou caústicos. Reconhecia-se no cautério actual superioridade terapêutica relativamente ao químico dada a sua acção exclusivamente local.

Os metais, graças à sua capacidade para o calórico, puderam ser usados para o transmitir aos tecidos. No fabrico dos cautérios empregou-se o ouro, o cobre, a prata, o chumbo, o ferro, o aço e a platina. As características próprias de cada um destes metais fizeram os seus partidários: o ouro e a prata cediam rapidamente o calor: o cobre, o ferro, o aço e a platina atingiam elevada temperatura sem fundir e o ferro e o aço pela mudança de cor eram um bom índice termométrico. A platina reunia todas as vantagens mas o seu uso estava limitado pelo seu elevado custo. O aço salvaguardava todos os requesitos e era preferencialmente empregue na manufactura dos cautérios. Contudo, os cirurgiões antigos tinham uma opinião diferente. Avicena preferia o ouro e Albucasis o ferro dado que este metal permitia quantificar a temperatura atingida, arrefecia lentamente e, contrariamente ao ouro, não derretia em caso de aquecimento excessivo. Porém, o primeiro metal usado na cauterização foi o bronze que usado pelos Amazonas, referido por Hipócrates, cedo foi abandonado por ser muito dúctil.

O instrumento compõe-se de um cautério actual, uma haste cilíndrica e um cabo de madeira isolante comum aos demais cautérios. Na Figura deparamos com sete cautérios actuais e as respectivas hastes cilíndricas. O cabo de madeira, talvez pela sua natureza orgânica, poderá ter sido objecto de uma degradação e desintegração no tempo, o que muito provavelmente explica a sua inexistência. A denominação dos cautérios dependia da forma adoptada: em cana, cilíndrico, olivar, cónico (Celso), numulário-plano, anular e em cutelo, entre os principais. A forma olivar parece ter sido a mais usada e foi descrita pela primeira vez por Paulo de Egina (625-690). Particularmente ricos foram os Árabes na diversidade da forma dos cautérios usados. Estes eram um remédio ímpar para as mais diversas afecções orgânicas e funcionais, condicionados somente pelos temperamentos de cada paciente. Contudo, através do tempo, o cirurgião habituou-se às limitações dependentes da inexistência das múltiplas formas de cautérios, pelo que, manejou, quantas vezes, o mesmo para os mais variados fins.

O Grau de temperatura teve muita importância no modo de acção e a cor do aço ou ferro pôde dar essa indicação: o cinzento, o rubro escuro, o rubro cereja, o rubro amarelado e o rubro esbranquiçado, seguindo a escala crescente de intensidade. A dor despertada era inversamente proporcional à temperatura do cautério. A elevada temperatura seccionava os vasos enquanto a baixa coagulava-os. A cauterização descrita foi designada de inerente - aplicação sustida do cautério sobre as partes moles - e é a única a referir no âmbito da hemóstase.

Não obstante, os metais não foram os únicos agentes de cauterização actual usados em Cirurgia. A água, nas suas duas formas físicas (Albucasis), os raios solares, a madeira incandescente, a chama do gás de iluminação (Nelaton) e as moxas constituiram outros exemplos.

Os cirurgiões portugueses seiscentistas continuavam a preferir a cauterização na cura de uma diversidade de patologias e na hemóstase enquanto no século seguinte assistimos a uma progressiva rejeição desta prática.

O cautério actual iria encontrar sucedâneos no século XIX.

Data de 1850 o emprego extensivo da electricidade em Cirurgia. Em 1854 Albrecht Theodore von Middledorpf (1824-1868), físico em Breslau, Alemanha, publica uma memória "Die Galvanocautik" que descreve a aplicação cirúrgica da electricidade. O galvanocautério de Middledorpf é constituído por um fio fino de platina, acoplado a uma agulha isolante, por sua vez associada a uma bateria galvánica. A menor hemorragia local e a menor agressividade no doente criou rapidamente os seus adeptos. Porém, as limitações impostas na construção da bateria galvánica condicionaram o seu uso. De facto, associavam-se ao elevado custo, os inconvenientes do cautério actual: grande área de acção destruida, sangramento dos vasos periféricos, difícil cicatrização. Vários fabricantes de instrumentos da Europa e Americanos dedicaram-se à criação de diferentes modelos de eléctrodos.

As correntes galvánicas de elevada intensidade e baixa tensão - galvanopunctura - despertavam intensos efeitos calóricos necessários à coagulação do sangue, na ausência de formação de escara.

O presente electrocoagulador dispõe de um sistema susceptível de reduzir a tensão da corrente alterna geral e outro, de conversão em corrente contínua. Regressa-se, desta forma, ao princípio do primitivo galvanocautério de Middledorpf.

Em 1875, o Dr. Paquelin cria o termocautério, aperfeiçoado mais tarde em 1891. Baseia-se na propriedade da platina aquecer condensando certos gases e vapores particularmente os carbonetos voláteis da essência mineral. É constituído pelo cautério, pelo carbonetador - recipiente da essência que deve ter o peso de 710 grs/litro a 15º C - e um fole formado por duas peras de borracha ligados por tubos deste material. A combustão do ar carbonetado sem chama tornava incandescente o cautério de platina de forma proporcional à rapidez da corrente gasosa. A hemóstase foi um dos seus múltiplos usos.
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