Os instrumentos de extracção dentária
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Estojo de madeira forrado a pele e veludo (5x33x21,5cm). Pertenceu ao médico cirurgião Francisco da Silva Garcia, Cirurgião pela Escola do Porto. Chave de Garengeot: osso e aço; séc. XIX; 1x13,5x10cm; Galante Elevador: madeira e aço; séc. XIX; 2,5x14,5x3cm Dois instrumentos de limpeza: aço; 0,4x15,5x0,4cm; V. Simon & C., London Quatro ganchos: aço; vária Quatro fragmentos de lima: aço Calcador: madeira e aço; 1x15x1cm Calcador e espátula: aço; 0,7x12,5x0,7cm Boticão, forma francesa: aço; 1,5x17x3cm Pinça de correcção curva: aço; 1,5x17x3,5cm; Galante, Paris Boticão, forma inglesa: aço; 1x17,5x3cm Boticão, forma inglesa: aço; 1,5x16,5x4cm; Charrière, Paris Quatro fragmentos de lima: aço; vária Dois frascos, um contendo chumbo e outro um líquido marcado Farmácia Estácio Lisboa. Oferta do Professor Luís de Pina. |
Desde a mais remota Antiguidade se considerou a extracção dentária como uma prática necessária no alívio da dor na ineficácia de outros métodos. Reconhecia-se que a extracção dentária não afectava o funcionamento sistémico. Os riscos da extracção dentária conhecidos eram a lesão maxilar, a infecção, a hemorragia e não raras vezes a morte. A maioria dos profissionais optava por tentar um tratamento medicamentoso local ou no canal auditivo externo para mitigar a dor ou um tratamento medicamentoso determinante da queda espontânea do dente. A ineficácia destes métodos conduzia à utilização de instrumentos de extracção dentária. Ao longo da história produziram-se diferentes instrumentos com o objectivo de extracção dentária e de forma a causarem o menor dôlo para o doente: os pelicanos, os elevadores e as alavancas, as chaves, os parafusos e o forceps dentário. Os pelicanos eram instrumentos cujo funcionamento causava com frequência inúmeras complicações.
A primeira referência deve-se a Guy de Chauliac (1300-68) e Andrea della Croce (1500-75). A primeira imagem deste instrumento surge nos trabalhos de Giovanni d'Ancoli (1412-84) em 1460 e de Walter Ryff (1500-62) em 1545. Os cabos destes instrumentos eram profusamente adornados no século XVII. Uma diversidade de modelos foram descritos ao longo do tempo: G. Ferrara (séc. XVI), Heister (1683-1758), Garengeot (1688-1759), J. J. Serre (1759-1830), J.J. Perret (1772), J.A. Brambilla (1728-1800), Charles Laforgue (1763-1823), B. Bell (1749-1806), entre outros. Os elevadores e as alavancas promoviam o levantamento e a extracção de incisivos e caninos bem como a extracção da raíz ou de fragmentos dentários. A primeira ilustração surge na obra de Albucasis embora seja citado por uma diversidade de autores: J.A. Ulm (1595-1645), Cornelius Solingen (1641-87), J.J.H. Bucking (1749-1838), Pierre Dionis (1643-1718), T. Bell (1792-1880), S.J.A. Salter (1825-97), entre outros.
A chave dentária aparece descrita pela primeira vez no trabalho de Alexander Monro
"Medical Essays and Observations" (1742). Parece contudo, que a sua utilização data de cerca de 1730. A primeira ilustração francesa de uma chave dentária surge nos trabalhos de Bourdet (1757). Como o indica a designação deste instrumento nos primeiros tempos da sua manufactura assemelhava-se a uma chave doméstica com a extremidade proximal em anel.
Progressivamente o cabo adquiriu a forma em T. Na extremidade distal existia uma estrutura metálica em forma de gancho. Esta parte adaptava-se ao dente e por uma rotação que se imprimia ao instrumento fazia deslizar o mesmo. O modelo mais conhecido e vulgarizado foi o de Garengeot (c. 1770). A chave dentária teve larga aceitação. Os parafusos visavam a extracção das raízes de incisivos e caninos. Parece datar de 1803 a primeira referência a este instrumento com Serre e Laforgue. Fazia parte integrante de instrumentos compostos. O forceps dentário constitui muito provavelmente o instrumento dentário mais remoto. Bem poderá ter sido o sucessor dos nossos apêndices humanos: os dedos. Citado deste os textos da Antiguidade greco-romana e do período medieval, existe nos acervos de museus que possuem instrumentos deste período.
Lembremos os instrumentos de Pompeia e Herculano (97 d.C.) patentes no Museu de Nápoles, Itália. Utilizado como extractor dentário teve formas e designações diferentes estas resultantes da sua verossimelhança com o formato do bico de pássaros ou do maxilar de um cão. Albucasis (séc. X-XI d.C.), Walter Ryff (1545), Jacques Guillemeau (1598), John Woodall (1617), Fauchard (1728), Leber (1770), Perret (1772), entre outros associaram aos seus escritos uma iconografia extensa relativa a este instrumento. Cyrus Fay (1778-1839) ao estudar o processo de extracção dentária idealizou as formas do forceps que mais favoreciam a extracção dos diferentes tipos de dentes considerando mesmo o estado patológico existente. Esta característica de melhor adaptabilidade da extremidade dist al do forceps dentário ao dente aliava-se a uma exigência semelhante de articulação entre a mão do prático e o instrumento. Josiah Foster Flagg de Boston (1763-1816) possuia um estojo composto por onze forceps dentários, cada um ajustado à anatomia de cada dente.
A Sir John Tomes se atribui a idealização do forceps cuja forma mais se aproxima do actual (
"On the Construction and Application of Forceps for extracting teeth", 1841). A manufactura do forceps dentário de Sir John Tomes ficou a cargo do fabricante Evrard (1808-82): uma série de forceps com funções complementares.
O cautério dentário utilizou-se como método físico de hemóstase após a extracção dentária, na cauterização gengival e como paliativo ou na contra-irritação em caso de dor. O cautério em geral era do agrado dos Árabes. Entre estes, aquele que melhor o soube descrever e ilustrar foi Albucasis. Durante toda a Idade Média teve larga utilização. A sua forma e a natureza dos materiais constituintes variaram ao longo do tempo. Um cabo de material isolante que facultava a preensão do instrumento durante e após o aquecimento do metal suporta o cautério. Em 1851, George Derby Waite (1804-80) apresenta um cautério eléctrico tendo-se produzido inúmeras versões do mesmo.